segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A origem da expressão "Siga a Marinha"

A expressão Siga a Marinha já fez com certeza parte de um qualquer desabafo de todos os leitores deste artigo. Há várias versões para a sua origem bem portuguesa mas a que mais me delicia é a que é atribuída a José Joaquim Gaspar, oficial maior do quartel de Khamate em Março de 1971, em plena guerra colonial.
Rezam as cronicas que o deplorável estado das estruturas militares portuguesas desgastadas por anos de guerra sem fim à vista, levaram ao desepero dezenas de militares entre os quais se encontrava este jovem oficial. Desesperado com as condições à sua volta, ele lança um pedido aos seus superiores transcrito em baixo:

Transcrição (parcial):

 "(...)

 Confidencial

Urgente

Ministério do Exército

Comando Territorial Independente da Guiné

C. Artilharia N. 3330

S.P.M. 6928

 

Khamate, 18 de Março de 1971

 

Ao Sr. Comandante de Engenharia

P/ Con

(...)

 

As.: QUARTEL EM NHMATE (ou mais própriamente abarracamento)

 

1. Exponho a V. Exa. um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana em KHAMATE.

 

2. Passo a descriminar:

 

-a) DEPÓSITO DE GÉNEROS -

- Quando chover fico sem pão, pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável.

Informo V. Exa. que não como pão.

Gordo, estou eu.

E os outros géneros?

E os autos subsequentes?

Só problemas

 

-b) CASERNAS -

- Barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes.

Na Birmânia viveu-se assim 1 ou 2 meses.

- Os quadros vivem-me há 10 anos e os milicianos (os meus de certeza) "dão o litro" até se fim.

- Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar na medida do possível.

 

-c) CANTINA -

- E o tabaco?

Desde Napoleão e Freddy da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército.

Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho?

E outros géneros.

V. Exa. mais experiente meditará sobre o assunto.

 

-d) CASERNA DE CIMENTO -

- Único exemplar.

- Vou demoli-lo.

- Não tenho materiais.

Solicito auxílio Engenharia.

 

-e) MESS -

Desde o início das chuvas desnecessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas.

Ponchos e gabardines já temos

 

-f) CHAPAS DE ZINCO -

Ao mínimo vento já voam no Quartel.

 

-g) GABINETE DO COMANDANTE E 1.º SARGENTO -

Com as chuvas eu e o 1.º Sargento só temos a solução de entrar no gabinete de escafandro, visto estar 2 metros abaixo da superfície do solo.

 

h)  O meu pessoal só poderá transitar em canoas balantas.

E alguns não sabem nadar.

CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA

 3. Este Quartel tem de ser revisto por um oficial de Eng. senão começo a construir um novo com os materiais dos REORD, contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

 4. Agradecendo a boa atenção de V. Ex.ª gostaria de aqui ter como convidado um Sr. Oficial de Eng. por vários dias a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supra.

 Cumprimentos

 O COMANDANTE

 [assinatura]

 JOSE JOAQUIM VILARE GASPAR

CAP. ART.ª

 (...)"



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